Acredito que em geral todos concordam que a raiva cega as pessoas.
Mas, você já parou para pensar que existem outros sentimentos e emoções que também cegam?!
Quero falar sobre a dor e como ela também pode nos cegar.
Eu achei de verdade que só o sentimento de raiva poderia nos cegar a ponto de cometermos erros influenciados por ela, mas alguns outros sentimentos também podem nos cegar e nos guiar erroneamente a caminhos obscuros dentro e fora de nós mesmos.
A diferença entre a raiva e a dor, acredito eu, está em que uma vez que a raiva
nos projeta em direção a tomar
decisões erradas em relação ao outro, a dor nos envia no caminho tortuoso das
decisões erradas contra nós
mesmos.
Por temer tomar atitudes que envergonham o nome de Deus, a minha fé, a
minha família a minha comunidade
de fé, e a mim mesma, eu me dediquei então a cuidar fervorosamente em
como a raiva podia se manifestar
em mim, cuidei de aprender tudo o que pude sobre manter a calma, perdoar,
resolver, conversar, dialogar,
suportar, aguentar, esperar, ter paciência, enfim, eu me dediquei em forjar
um caráter onde eu não tivesse
que agir sem pensar e magoar, ferir, atacar ou agir de forma grosseira com
outras pessoas, e isso funcionou
bem, ao menos em parte.
Não perdi meu réu primário atacando ninguém, apesar de ter vivido
situações com pessoas que provaram
com força a minha resistência e a minha paciência. Mas, exceto uma
discussão e explosão de raiva com
palavras torpes que tive com uma cunhada a mais ou menos uns dez
anos, eu consegui sobreviver a
s provocações e reações naturais que a raiva traz. Mas, apesar de não
ter perdido meu réu primário,
eu perdi meu amor próprio.
Aprendi com o tempo, que sempre vão existir pessoas que parecem
viver tranquilas com seus impulsos
atormentadores e provocadores e essas pessoas sempre cruzarão o
nosso caminho cabe a nós mantermos
a calma, respirarmos e seguirmos firmes no propósito de não fazermos
nada que nos traga arrependimentos
futuros.
Pode haver justificativas plausíveis para algumas reações intempestivas e
impensadas, mas nunca nos
livraremos de suas consequências, dessa forma prevenir que a raiva nos
leve a atitudes de violência,
brigas, desentendimentos ou divisões, ainda é a melhor decisão.
O episódio que citei anteriormente com a minha cunhada, foi terrível
para mim, pois ele me cobriu
de vergonha, no entanto esse momento de fracasso pessoal me levou
ao arrependimento e então à
lições profundas, e também a decisão de que definitivamente eu não
estava disposta a sentir e nem
a viver aquilo novamente em minha vida. Eu tenho trabalhado com
afinco para que isso nunca mais
se repita.
Dizer coisas ruins a quem amamos (ou mesmo a desconhecidos, ou sobre eles)
é extremamente
destrutivo para a nossa alma e compromete o nosso caráter. Perdoar,
relevar, suportar e pensar duas
vezes, ou mais vezes se for preciso, nos habilita a viver uma vida com
menos arrependimentos dolorosos
e menos problemas para resolver no dia seguinte, nos instrui a ter um
relacionamento melhor entre a
nossa cabeça e o nosso travesseiro no fim do dia, e nos poupa de
sérios desgastes emocionais.
Mas, (sempre tem um mais né?!) o que eu não percebi é que não
bastava evitar que a raiva me dominasse,
não bastava proteger a mim mesma e aos outros das consequências
de permitir que a ira me dominasse,
não bastava exercitar o domínio próprio e não reagir ao mal que as
pessoas estavam me fazendo passar
ou viver, eu não percebi que precisa também aprender o que fazer
com a dor que a atitude ruim das pessoas
me causava.
Sem nenhuma falsa modéstia eu aprendi a ser mais tolerante, mais
paciente, mais amigável, compreensiva,
perdoadora, prática no trato e nas reconciliações, mais assertiva em
relação às situações delicadas
e possivelmente problemáticas. As pessoas do meu círculo íntimo
costumam me qualificar como alguém
com sabedoria acima da média para lidar com conflitos.
Contudo, não adiantava eu não reagir ao mal que me faziam eu
precisava aprender a transformar isso em
algo bom dentro de mim.
Porque com o tempo eu descobri que os extremos sempre nos levam
a abismos, e não adiantava eu me
abster de pecar ao calor da ira, proteger a minha reputação, trabalhar
para não envergonhar a minha fé
e a minha família, se no fim eu seria destruída de dentro para fora.
Porque é isso que a dor faz, ela nos
destrói de dentro para fora.
O que estava faltando eu aprender é que todo mal que nos fazem
tem uma consequência, a primeira podemos
aprender a controlar que é uma reação à altura, uma resposta tão
negativa quanto, ou maior, do que aquilo
que nos fizeram.
Se a primeira podemos controlar, a segunda consequência é que
precisamos aprender a cuidar, cuidar de
perceber quanto mal nos fizeram, qual a profundidade e importância
que vamos dar a isso, o quanto isso
nos marcou e nos machucou e cuidar disso.
Na primeira você oferece ao outro misericórdia, que significa não
dar aquela pessoa o que naturalmente
acreditamos que ela merece, e na segunda precisamos oferecer a paz,
pois só a paz pode nos livrar da
prisão que a dor pode ser, só com a paz podemos receber cura e
libertação das sequelas profundas que
a dor pode causar.
No fim, eu percebi que havia me preocupado tanto em não machucar
os outros, havia ficado com tanto
medo de errar diante de Deus, dos homens e de mim mesma que eu
nem percebi que havia ficado
vulnerável demais no extremo oposto, eu não havia aprendido a
cuidar de mim.
Uma vez que poupei os outros, esqueci de me poupar, me concentrei
tanto em não atacar, que acabei
permitindo ataques que jamais poderiam ter acontecido. Fiquei tão
preocupada em ser politicamente
correta, espiritualmente aprovada e humanamente aceitável, que
esqueci de princípios básicos como,
respeito, cuidado e amor próprio.
Esqueci que o mandamento é “amar o próximo como a si mesmo”,
esqueci de me amar, de me proteger,
de me cuidar, de me aceitar, impor limites, me afastar e desfazer nós
com quem não estava comprometido
em criar laços verdadeiros comigo.
"E o segundo é semelhante a ele: 'Ame o seu próximo como a si mesmo'."
Mateus 22.37
Entre a cegueira da ira e a cegueira da dor, eu me perdi na cegueira
das minhas dores que me levaram
a aceitar o inaceitável, a aceitar migalhas mesmo que sempre oferecesse
um banquete, a cegueira da dor
me levou a mendigar por aquilo que eu sempre fui rica, pedir pelo
mínimo mesmo oferecendo o máximo,
esperando paralisada pelo que jamais iria chegar.
A cegueira da dor me fez acreditar em mentiras sobre mim, me fez
acreditar que de alguma maneira eu
merecia o mal que me faziam, ou pior, que eu era a culpa pelo mal
que me faziam, a cegueira da dor me
fez acreditar que eu não merecia ser tratada com respeito, proteção e
segurança, que eu sempre tinha que
pagar por tudo o que eu precisava, a cegueira da dor me fez fraca,
vulnerável, doente, carente, medrosa,
frustrada e acima de tudo me deixou com sequelas que me levaram
ao consultório psiquiátrico e psicológico.
É isso que acontece quando andamos por extremos, é isso que acontece
quando não compreendemos
princípios básicos de sobrevivência como amar a si e depois ao outro,
é isso o que acontece quando exigimos
demais de nós mesmos sem colocar limites nas relações com as
pessoas, é isso que acontece quando você
oferece aos outros apenas o perdão sem a responsabilidade, a desculpa
sem a retratação, o tempo sem o
diálogo, a chance sem o posicionamento, a graça sem decisão e
mudança gera injustiça e suas sequelas,
a misericórdia sem comprometimento gera abusadores.
O mesmo Deus que é capaz de perdoar um pecado causado pela ira
é também capaz de nos curar da dor
causada pela maldade, no primeiro caso ele nos fará ver a luz que o
perdão traz e nos livrará da cegueira
do orgulho e do egoísmo e no segundo caso ele nos fará ver a luz que
perdoar a si mesmo traz, e nos livrará
da cegueira da carência, da necessidade de aceitação e principalmente
vai nos ensinar a estabelecer um
padrão de comportamento saudável nas relações consigo e com o
próximo e também nos ensinar a selecionar
e decidir pelo que é melhor para nós ao invés de aceitar qualquer
coisa que nos é oferecido.
A ira cega, a dor também cega, para o primeiro caso o perdão é a
cura, para o segundo, perdoar a si
mesmo é a cura.
A ira que cega, nos mantém numa dinâmica de egoísmo, orgulho
e soberba, a dor que nos cega nos mantém
numa dinâmica de comportamentos carentes, frustrantes, cansativos
e repetitivos.
Que tenhamos coragem para perdoar o mal que nos fazem a ponto
de não reagirmos a isso, perdendo a
paz do nosso coração, e que estejamos dispostos a perdoar a nós
mesmos quando permitirmos que o que
nos fizeram toque a nossa alma, assim vamos recuperar a paz que
cura e nos liberta.
No perdão ao outro cultivamos o amor ao próximo e o domínio
próprio, no perdão a nós mesmos cultivamos
o amor próprio e a paz do coração.
"Quando ficarem irados, não pequem; ao deitar-se, reflitam nisso
e aquietem-se." Salmos 4.4
Danny Noronha
25/10/2023
Nenhum comentário:
Postar um comentário